quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Criando uma Comunidade Sustentável no Grajaú

Conheça o projeto que está mobilizando moradores do Grajaú a transformar o bairro
num modelo de comunidade sustentável


Renata Lara, a criadora da Casa Anitcha, e algumas das suas atividades: aula de iniciação musical para crianças, feira de troca-troca, oficina de alimentação viva e workshop de horta caseira

A ouvidos céticos, a coisa toda pode soar como utopia, bobagem, até pieguice. Mas Renata Lara, moça nascida e criada no Grajaú, tem um discurso de quem sabe do que está falando, de quem está imerso na nova ordem mundial, a da sustentabilidade, onde a ideia é, justamente, não se deixar depender de uma Itaipu. Ela tem 37 anos, é produtora de eventos para grandes empresas como Petrobras, morou em Portugal e no Japão, e, há cinco anos, voltou para casa, aquele cantinho ali na Zona Norte, de ruas arborizadas, sobrados antigos e clima de bairro dos bons tempos. Munida de pesquisas, cursos e muita leitura de autores verdes, ela criou a Casa Anitcha, um projeto que quer fazer do Grajaú uma real comunidade, onde ser vizinho não é só uma questão geográfica e cuidar do entorno é um problema — ou solução — que depende de todos.

— Quando minha filha nasceu, há cinco anos e meio, tive um estalo: que mundo eu quero deixar para ela? Como vou educá-la? Que exemplo quero dar? A sociedade anda adormecida por uma lógica de consumo, de dependência dos governos, do dinheiro, que não acho legal — diz Renata. — Pensei que o melhor jeito de começar uma transformação seria no meu bairro. Não quero fazer grandes ações. É do micro para o macro.

A Casa Anitcha tem diversos projetos em andamento, que vão desde reunir os vizinhos para eventos culturais, como saraus de poesia, exibição de filmes e cursos, até propostas de mudança da lógica econômica. No próximo domingo, acontece mais uma edição do “Desapegue-se”, um dos carros-chefe do projeto. Trata-se de uma feira de trocas na Praça do Grajaú. Todo último domingo do mês, os moradores amealham em casa tudo aquilo que não usam ou de que não precisam mais. E trocam entre si. A feira reúne a cada edição cerca de 600 pessoas. No aniversário do bairro, em agosto, mais de mil pessoas participaram do troca-troca. Vários parceiros da Casa Anitcha colaboram com a empreitada. A feira de produtos orgânicos da Glória monta uma banca, estimulando o consumo direto do produtor. O projeto Terrapia, idealizado por Maria Luísa Branco, irmã de Ana Branco, a precursora da comida viva no Rio, também tem um estande para ensinar os conceitos básicos desse tipo de alimentação, que prioriza a ingestão de coisas cruas e germinadas. A Sociedade Vegetariana Brasileira também participa e está fazendo um estudo para implantar ali a “Segunda sem carne”, uma campanha mundial muito forte na Europa.

— Foi esse espírito cooperativo da casa Anitcha que nos atraiu. O objetivo de partilhar é muito importante. O “Desapegue-se” é para a gente se desapegar mesmo de valores como competição, egoísmo, individualismo, consumismo, e abraçar uma nova forma de viver — diz Geraldo Guimarães, morador das redondezas e educador do projeto Terrapia.

Em 2010, o conceito de trocar em vez de comprar vai ser ampliado. Renata e sua turma estão desenvolvendo o que chamam de moeda social, ou seja, uma moeda exclusiva do Grajaú, a exemplo de uma cidade no Sul da Inglaterra chamada Louis, que encampou a moeda social depois do susto com a crise financeira. A tal moeda possibilita a troca indireta. Por exemplo: um morador tem um fogão que não quer mais, você precisa do fogão, mas não tem nada para oferecer em troca, então paga com esse “dinheiro”, que vai servir para o dono do fogão comprar algo de outro morador. Além disso, estão elaborando um projeto de escambo de serviços. A lista do que pode ser trocado vai estar no site da entidade.

— A troca satisfaz o desejo do novo. No dia da feira, volto para casa cheia de coisas ótimas. Todo mundo fica feliz e não gasta nada — diz Renata. — Trocar serviços também é legal. Uma aula de inglês por uma de culinária, uma noite de babá por um dia de passeio com o cachorro. Vai ser só entrar no site, selecionar o que você precisa e o que pode oferecer. Numa rede solidária é mais fácil viver.

A Casa Anitcha prega ainda conceitos como permacultura e bioconstrução, entre outros termos e expressões do dicionário verde. Uma vez por mês acontece um curso de horta caseira, no qual, além de plantar, os alunos aprendem o que é permacultura, uma forma de pensar desenvolvida por dois australianos nos anos 70. Um de seus princípios é viver do que está disponível no lugar onde se mora. Então, é preciso planejar o quintal para que o pedacinho de terra forneça alimentos básicos. Outro curso é a oficina mensal de alimentação viva. A turma da Terrapia ensina a galera a tomar suco de luz, elaborar pratos crus e ter uma vida mais saudável. E foi implantado um curso de bioconstrução, com técnicas de arquitetura e engenharia que permitem construir a baixo custo, com materiais reciclados e energias não-poluentes.

— Há uma teoria que resume todo esse nosso projeto, a Teoria de Gaia, de um inglês, cientista da Nasa chamado James Lovelock. Simplificando, a teoria diz que tudo é interligado e o equilíbrio depende dessa harmonia — explica Renata. — A terra é um organismo vivo. Enquanto não existir essa consciência, não tem jeito. A pessoa vai jogar o saco plástico no lixo e pensar que é só um saco plástico. Temos que nos perceber como parte de um sistema.

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